Matar a morte
É possível
a fé «matar a morte»?
Se a vida é
uma bênção, a morte surge no horizonte, ainda que distante,
como uma maldição
impossível de contornar.
Pode surpreender-nos em tempo de festa
e a sua densa
sombra sobre aqueles que amamos é fonte de angústia.
Dialogamos com ela durante
noites a fio
enquanto mantemos um braço de ferro até ao limite,
até ao dia em
que a abraçamos ou somos mansamente abraçados por ela.
«No fim dos
tempos»,
nesse tempo que desejamos longínquo,
sonhamos que a «morte morra»,
porque até aquele que a antecipa procura desesperadamente um espaço de
liberdade e de realização. Desejamos que a morte seja a pedra
na qual
assentamos o pé para atravessar o grande lago,
a fronteira que separa os dois
mundos,
realidade transitória mas necessária
para aceder à plenitude de felicidade
que naturalmente ansiamos.
É possível
que a «morte morra?»
A perspetiva cristã enfrenta este mistério
de um modo que
alguns consideram uma estratégia de negação da realidade,
uma espécie de fuga
para a frente.
A finitude não é uma desgraça, antes pelo contrário,
é uma
experiência de libertação.
O morrer, associado por vezes à dor terrível, é o
pórtico para a comunhão plena com Deus.
Esta nova
visão da morte está já presente nos primeiros testemunhos que chegaram até nós,
como por exemplo, a versão de S. Marcos do fim dos tempos que escutamos este
domingo:
«Nos últimos dias, depois de uma grande aflição…
Nessa altura, verão o
Filho do Homem vir….
Ele mandará os Anjos, para reunir os seus eleitos…».
Terá sido
num ambiente familiar, longe do olhar persecutório das autoridades,
que a
mensagem apocalíptica de Jesus foi repetidamente proclamada.
Ameaçado e
perseguido por causa da fé,
o pequeno grupo não arrepiou caminho.
Hoje é-nos
difícil imaginar o impacto disruptivo deste pequeno grupo na cultura dominante.
Eram, no mínimo, bastante estranhos.
Como destaca o ensaísta D. Hart, faziam
parte da comunidade as pessoas mais desprezíveis.
Aos olhos dos pagãos, tinham
sido justamente condenadas,
torturadas e executadas pelos seus crimes mas,
para
espanto de muitos, rapidamente eram glorificadas como mártires da fé,
cujas
relíquias ocupavam o espaço devocional dos antigos deuses.
O
comportamento anormal dos seguidores do Galileu,
também Ele torturado e
executado em espaço público,
é apenas compreensível à luz da eminente
ressurreição,
caso contrário, não passaria de um grupo de lunáticos sem
qualquer consistência social e histórica. Um novo dado altera substancialmente
o modo de ver e estar no mundo:
a devoção ao Deus crucificado e ressuscitado.
É possível
a fé «matar a morte»?
A resposta dos cristãos é inequivocamente afirmativa.
P. Nélio Pita,
CM