O que desejas para ti, dá-lo ao teu inimigo
(e esquece de vez esta palavra)
Jesus tinha acabado de projetar no céu da planície
humana o sonho e a revolta do Evangelho ao proclamar as Bem-aventuranças. Agora
pronuncia o primeiro dos seus «Amai» (Lucas 6, 27-38). Amai os vossos inimigos.
Fá-lo-ás agora, sem esperar; não para responder, mas para antecipar; não porque
as coisas estão como estão, mas para as mudar.
A sabedoria humana, no entanto, contesta Jesus: amar
os inimigos é impossível. E Jesus contesta a sabedoria humana: amai-vos, de
outra maneira destruir-vos-eis. Porque a noite não se derrota com mais trevas;
o ódio não se bate com outro ódio no deve e haver da história.
Jesus quer eliminar o próprio conceito de inimigo.
Tudo à nossa volta, tudo dentro de nós diz: foge de Caim, afasta-te dele,
torna-o inócuo. Depois vem Jesus e surpreende-nos: aproximai-vos dos vossos
inimigos, e inverte o medo em proteção amorosa, porque o medo não liberta do
mal.
E indica oito passos do amor, sublinhando verbos
concretos: amai; fazei; abençoai; orai; oferecei; não recuseis; dai; não peças
de volta. O amor de Jesus é efetivo, é amor de mãos, porque não há amor
verdadeiro sem um fazer.
Oferece a outra face, baixa as defesas, permanece
desarmado, não incutas medo, mostra que não tens nada a defender, nem sequer a
ti próprio, e o outro compreenderá o absurdo de ser teu inimigo. Dá a outra
face, de outra maneira quem vencerá será sempre o mais forte, o mais armado,
violento e cruel.
Oferece a outra face não por passividade, mas tomando
tu a iniciativa, relançando a relação, dando tu o primeiro passo, perdoando,
recomeçando, criando confiança. «A quem te rasga a veste, não recuses a
túnica», acentua o Mestre, dirigindo-se a quem, talvez, não tenha nada mais
para oferecer. Como que a dizer: dá tudo o que tens.
A salvação, com efeito, vem de baixo. Quem se faz
pobre salvará o mundo com Jesus. Caminho altíssimo. O Mestre não convoca heróis
para o seu Reino, nem atletas chamados a feitos impossíveis.
E eis o presente deste Evangelho: como quereis que os
homens façam a vós, fazei também vós a eles. O que desejardes para vós, fazei-o
aos outros: prodigiosa contradição da lei, a última instância do mandamento é o
teu desejo. O mundo que desejas, constrói-o, «Sê tu a mudança que queres ver no
mundo» (Gandhi).
O que desejas para ti, o que te mantém vivo e te faz feliz,
isso darás ao teu companheiro de caminho, para além da eterna ilusão do igual
dar e haver. É o caminho da humana perfeição. Lei que alarga o coração, medida
calcada, sacudida e a transbordar, que derrama alegria no útero da vida.
Ermes Ronchi