Não importa por que voltas; a Deus basta o primeiro
passo
«Quando ainda estava longe, o pai viu-o,
e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de
beijos» (Lucas 15,1-3.11-32): a mais bela das parábolas, em quatro sequências
narrativas.
Primeira cena. Um pai tinha dos filhos. Na
Bíblia, este início causa logo tensão: as histórias de irmãos nunca são fáceis,
muitas vezes narram dramas de violência e mentira, evocam Caim e Abel, Ismael e
Isaac, Jacob e Esaú, José e os seus irmãos, e a dor dos pais.
Um dia, o filho menor vai-se embora, à procura
de si próprio, com a sua parte da herança, de “vida”. E o pai não se opõe,
deixa-o sair, ainda que tema que isso lhe fará mal: ele ama a liberdade dos
filhos, provoca-a, festeja-a, padece-a. Um homem justo.
Segundo quadro. Aquela que o jovem começa
é a viagem da liberdade, mas as suas escolhas revelam-se escolhas sem salvação
(depauperou os seus bens, vivendo de maneira dissoluta). Uma ilusão de
felicidade da qual acordará no meio dos porcos, ladrão de bolotas para
sobreviver; o príncipe rebelde tornou-se servo.
Então volta a si, fazem-no pensar a fome,
a dignidade humana perdida, a recordação do pai: quantos assalariados em casa
do meu pai, quanto pão! E decide voltar, não como filho, mas como um dos
servos; não procura um pai, procura um bom patrão; não volta pelo sentido de
culpa, mas pela fome; não volta por amor, mas porque morre. Mas a Deus não
importa o motivo pelo qual nos pomos a caminho, para Ele chega o primeiro
passo.
Terceira sequência. Agora a ação torna-se
premente. O pai, que é espera eternamente aberta, vê que ainda estava longe, e
enquanto que o filho caminha, ele corre. E quando o jovem tenta uma desculpa, o
pai não repreende, mas abraça: tem pressa de mudar a distância em carícias.
Para ele, perder um filho é uma perda infinita.
Não tem filhos para lançar fora, Deus. E
mostra-o com gestos que são ao mesmo tempo maternos e paternos, e por fim
régios: depressa, a roupa mais bela, o anel, as sandálias, o banquete da
alegria e da festa.
Última cena. O olhar deixa agora a casa em
festa e pousa num terceiro personagem que se aproxima, do regresso do trabalho.
O homem ouve a música, mas não sorri; não tem a festa no coração. Bom
trabalhador, obediente e infeliz. Às voltas com a infelicidade que deriva de um
coração que não ama as coisas que faz, e não faz as coisas que ama: eu sempre
te obedeci, e a mim nem sequer um cabrito… O coração ausente, o coração noutro
lugar.
E o pai, que procura filhos e não servos,
irmãos e não rivais, pede-lhe com doçura para entrar: a vida está na mesa. O
final é aberto: compreenderá? Aberto à oferta nunca revogada de Deus.
Ermes Ronchi
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