Quem ora transforma-se naquele que contempla
A propósito da ‘Transfiguração’
Jesus toma consigo Pedro, João e
Tiago, e sobre com eles a um monte para orar (cf. Lucas 9,28-36). A montanha é
terra que se faz vertical, a mais próxima do céu, onde pousam os pés de Deus,
diz o profeta Amós. Os montes são dedos apontados para o mistério e a
profundidade do cosmo, para o infinito, são a terra que penetra no céu.
Jesus sobe para orar. A oração é
precisamente penetrar no coração de luz de Deus. E descobrir que somos todos
mendigos de luz. Segundo uma parábola hebraica, Adão, no princípio, estava
revestido por uma pele de luz, era o seu confim de céu. Depois, após o pecado,
a túnica de luz foi coberta por uma túnica de pele. Quando chegar o Messias, a
túnica de luz emergirá de novo, de dentro do homem finalmente nascido, dado à
luz.
Enquanto orava, o rosto de Jesus
mudou de aspeto. Orar transforma: tornas-te naquele que contemplas, naquele que
escutas, naquilo que amas, tornas-te como Aquele a quem oras. Palavra de Salmo:
«Olhai para Deus e ficareis radiantes» (34,6).
Olham-no os três discípulos,
emocionam-se, estão aturdidos, puderam lançar um olhar para o abismo de Deus.
Um Deus a fruir, um Deus a maravilhar, e que em cada filho semeou uma grande
beleza. Rabi, que belo estar aqui! Façamos três tendas. Estão debaixo do sol de
Deus, e o entusiasmo de Pedro, a sua exclamação siderada – que belo! –
fazem-nos compreender que a fé, para ser pão, para ser vigorosa, deve descender
de um espanto, de um enamoramento, de um «que belo!» gritado a plenos pulmões.
É belo estar aqui. Aqui estamos
em casa, fora daqui estamos sempre fora de lugar; fora daqui não é belo, aqui
apareceu a beleza de Deus e a do rosto alto e puro do ser humano. Por isso,
«temos de desviar o significado de toda a catequese, de toda a moral, de toda a
fé: deixar de dizer que a fé é coisa justa, santa, obrigatória (e mortalmente
aborrecida, acrescentam muitos), e começar a dizer uma outra coisa: Deus é
belíssimo» (H.U.von Balthasar).
Mas como todas as coisas belas, a
visão não foi mais que a flecha de um instante: vem uma nuvem, e da nuvem uma
voz. Só por duas vezes o Pai fala no Evangelho: no Batismo e sobre o monte.
Para dizer: é o meu Filho, amo-o. Agora acrescenta um mandamento novo:
escutai-o.
O Pai toma a palavra, mas para
desaparecer por trás da palavra do Filho: escutai-o. A religião judaico-cristã
funda-se na escuta, e não na visão. Sobes ao monte para ver o Rosto e és
redirecionado para a escuta da Voz. Desces do monte e fica na tua memória o eco
da última palavra: escutai-o. O mistério de Deus está agora todo dentro de
Jesus, a Voz que se tornou Rosto, o visível falar do Pai; dentro de Jesus:
beleza do viver oculto, como uma gota de luz, no coração vivo de todas as
coisas.
Ermes Ronchi
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