«Concede-nos um lugar na tua glória», pediram-lhe, como se nada fosse, os ambiciosos discípulos, Tiago e João, na subida para Jerusalém. Jesus tinha anunciado, pela terceira vez, um amanhã sombrio, marcado pela violência, a tortura e a morte. À semelhança do servo de Deus, na perspetiva do profeta Isaías, Ele ia oferecer a vida como «sacrifício de expiação» para «justificar a multidão de homens e mulheres». Sem entender o projeto do Mestre, receosos mas também expectantes, os discípulos discutem os lugares de honra e de governo num reino que havia de se estabelecer. Há entre eles cenas de ciúmes. Rivalizam entre si para alcançar a “pole position”.
A natureza humana tem estas armadilhas. E não nos dá descanso. Empurra-nos para pequenas guerras, faz-nos entrar competição constante, estica a corda através da qual medimos a distância entre o que somos e o que sonhamos ser, onde estamos e para onde desejamos ir, tendo, por vezes, o vizinho como critério de comparação. Cansamo-nos nestas correrias até um dia… talvez nesse dia, mudemos o paradigma.
Nesse dia, percebemos que o homem aperfeiçoou as técnicas para alcançar os primeiros lugares, os lugares de destaque, o topo de hierarquia. Desde o berço, fomos formatados através da linguagem do prémio e do castigo, da gratificação e da frustração, para «dar tudo» até ocupar «o cargo», «para mandar e ganhar muito» para ser famoso. As crianças, as mais belas caixas de ressonância do mundo, depressa sabem que os adultos ocupam diferentes lugares na hierarquia social. Sabem ainda que «ganhar muito e ter poder» mobiliza muita gente.
É fácil entrar nesta engrenagem. Difícil é resistir propondo, mesmo que seja em pequena escala como nos espaços eclesiais, modelos alternativos de relação e de governo em que o mais importante é o bem comum. Esse bem exige uma atitude de serviço e todos os serviços são dignos e socialmente valorizados.
Entre os discípulos de Jesus a motivação é estranhamente diversa. Resistimos a ser subjugados pela natureza, mesmo quando reconhecemos que o espírito de Tiago e João faz-nos sonhar com carreiras extraordinárias, percursos de poder, lugares idílicos, mas longe do Mestre.
Estranha esta lógica «ser servo para ser grande», «ser pobre para ser rico».
Sem comentários:
Enviar um comentário