Eu sou vida indissolúvel das mãos de Deus, laço que
não se rasga, nó que não se desata
As
minhas ovelhas escutam a minha voz (cf. João 10,27-30). Não as ordens, a voz. A
voz que atravessa as distâncias, inconfundível; que narra uma relação, revela
uma intimidade, faz emergir em ti uma presença.
A voz chega ao ouvido do coração antes das coisas que
diz. É a experiência com que o bebé, quando ouve a voz da mãe, a reconhece,
emociona-se, estende os braços e o coração para ela, e já está feliz bem antes
de chegar a compreender o significado das palavras.
A voz é o canto amoroso do ser: «Uma voz! O meu amado!
Ei-lo, chega correndo pelos montes, saltando pelas colinas» (Cântico dos
Cânticos 2,8). E ainda antes de chegar, o amado pede o canto da amada:
«Deixa-me ouvir a tua voz» (2, 14)… Quando Maria, ao entrar na casa de
Zacarias, saudou Isabel, a sua voz fez dançar o ventre: «Mal a tua saudação
chegou aos meus ouvidos, o menino sobressaltou de alegria no meu ventre» (Lucas
1,44).
Entre
a voz do bom pastor e dos seus cordeiros corre esta relação confiante, amorosa,
fecunda. Com efeito, porque é que as ovelhas devem escutar a sua voz? Dois
géneros de pessoas disputam a nossa escuta: os sedutores, que nos prometem
prazeres, e os verdadeiros mestres, que dão asas e fecundidade à vida. Jesus
responde oferecendo a maior das motivações: porque Eu dou-vos a vida eterna.
Escutarei a sua voz não por obséquio ou obediência,
não por sedução ou medo, mas porque como uma mãe, Ele faz-me viver. Eu dou-lhe
a vida. O Bom Pastor coloca no centro da religião não aquilo que eu faço por
Ele, mas aquilo que Ele faz por mim.
No coração do cristianismo não é colocado o meu
comportamento, ou a minha ética, mas a ação de Deus. A vida cristã não se funda
no dever, mas no dom: vida autêntica, vida para sempre, vida de Deus derramada
dentro de mim, antes que eu faça o que quer que seja.
Ainda que eu diga sim, Ele semeou gérmenes vitais,
sementes de luz que possam guiar-me a mim, desorientado na vida, à terra da
vida. A minha fé cristã é incremento, acrescento, intensificação do humano e de
coisas que merecem não morrer.
Jesus
di-lo com uma imagem de luta, de combativa ternura: ninguém arrancará as minhas
ovelhas da minha mão. Uma palavra absoluta: «Ninguém». Dita duas vezes, como se
tivéssemos dúvidas: ninguém as pode arrancar da mão do Pai.
Eu sou vida indissolúvel das mãos de Deus, laço que
não se rasga, nó que não se desata. A eternidade é um lugar entre as mãos de
Deus. Somos passarinhos que temos o ninho nas suas mãos. E na sua voz, que
aquece o gelo da solidão.
Ermes Ronchi